Resenha: “Antisocial”, de Andrew Marantz
Onde nascem as notícias falsas nas redes sociais? Quem são as pessoas reais sentadas em frente ao seu computador alimentando as redes de disseminação de mensagens de ódio e memes meta-irônicos pregando misoginia e racismo?
Talvez mais importante que isso: Como as comunidades que se autointitulam fascistas, neonazistas e supremacistas brancas não só permanecem nas redes sociais, mas se utilizam dos algoritmos para tomar a pauta do discurso público?
Estas são as perguntas que dão o ponto de partida para “Antissocial: Extremistas online, tecno-utopistas e o sequestro da conversa americana”, livro do jornalista Andrew Marantz, publicado em 2019, ainda sem tradução no Brasil.
O livro é o resultado de 3 anos de pesquisa de Marantz, tendo entrevistado dezenas de líderes, participantes e propagandistas dos mais variados grupos da direita estadunidense: masculinistas, incels, trolls, 4channers, supremacistas brancos, anarcocapitalistas, neonazistas, fascistas e diversos outros grupos internos da alt-right, e também da chamada “new-right”.
Na narrativa do livro, Marantz não tenta justificar as ações dos membros destes grupos, mas busca entender como se organizam, e sobretudo, como se comunicam na internet, buscando radicalizar cada vez mais indivíduos e dobrar o discurso público ao seu favor, usando o conceito da “Janela de Overton”.
Por conta dessa proximidade de Marantz com estes grupos, o livro coloca o leitor nos bastidores da extrema-direita em seus momentos mais infames dos últimos anos, da campanha que levou Donald Trump à presidência dos EUA em 2016 à marcha de supremacistas brancos em Charlottesville em 2017, que culminou com a morte da manifestante Heather Heyer, morta durante um protesto do movimento Black Lives Matter.
Se um dos eixos centrais do livro é essa perspectiva única de análise sobre os grupos de extrema-direita, tão importante quanto é a crítica do autor direcionada às grandes empresas do Vale do Silício que detém o monopólio sobre as principais redes sociais.
Em uma audiência frente ao Senado estadunidense em 2018, o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, afirmou que:
O Facebook é uma empresa idealista e otimista. Durante a maior parte de nossa existência, nos concentramos em tudo de bom que conectar pessoas pode fazer. E, à medida que o Facebook cresceu, as pessoas em todos os lugares receberam uma nova ferramenta poderosa para se manterem conectadas às pessoas que amam, para fazer ouvir suas vozes e para construir comunidades e negócios.”
Marantz afirma que este tipo de discurso por parte não só de Zuckerberg, mas de diversos outros “CEO’s” californianos, faz parte de uma ideologia mais ampla, que intitula de “tecno-utopismo”.
O tecno-utopismo parte da ideia de que as redes sociais teriam um caráter inerentemente democrático ao permitirem a conexão entre as pessoas, e que nesse sentido, a própria natureza das plataformas regularia o tipo de discurso considerado aceitável. Em outros termos, nessa perspectiva, a popularidade e o alto número de compartilhamentos seriam sinônimas de qualidade.
Marantz aponta para as falhas nessa lógica da “mão invisível” das redes sociais, colocando como justamente a falta de regulamentação por parte das empresas levou a disseminação de comunidades que pregavam o discurso de ódio, ao mesmo tempo que grupos minoritários sempre tiveram muita dificuldade de chegar ao “mainstream” do discurso público.
Em um contexto de discussão sobre combate às fake news no contexto brasileiro, ao mesmo tempo em que o congresso estadunidense discute timidamente o combate aos monopólios das empresas de tecnologia, a leitura do livro de Marantz se prova não apenas inspiradora, mas essencial.
É necessário que compreendamos criticamente as relações sociais e econômicas que perpassam o mundo digital, e nesse sentido trabalhos como este chamam para que pesquisadores das mais diversas áreas passem a olhar de forma mais aprofundada para estes dilemas.